"No salão da vida, o baile é de
máscaras. As pessoas andando, cada uma no seu passo, esbarrando em
outros passos e mostrando aquilo que querem mostrar. Ninguém é o que
parece, ninguém é o que é. Porque ninguém é. Porque todo mundo está.
Nenhum sentimento dura para sempre. Ninguém é alguma coisa para sempre.
Tudo muda o tempo todo, e isso não é uma música do Lulu Santos. É só um
fato. Nesse baile, as fantasias são os próprios corpos e as máscaras são
os próprios rostos. As pessoas perambulam pelo salão cuidando dos
próprios passos e dos passos dos outros, calculando tudo, pensando em
como não parecer grotesco. Se você procurar por grotesco no dicionário,
você encontrará a seguinte definição " adj. Que suscita o riso por sua extravagância: personagem grotesca. Ridículo, excêntrico, cômico: figura grotesca".
Muita gente tem aversão a tudo que é grotesco, a tudo que foge da
regra, a tudo que é diferente. O problema é que ser diferente não é mais
diferente, virou modinha, todo mundo quer ser. As pessoas definiram um
padrão, determinando que certas coisas são feias, impróprias, absurdas.
Elas criaram uma teia e entraram dentro dela, agora elas estão presas lá
dentro. Todos nós estamos. Presos nessa teia de pudor que nós mesmos
criamos, costuramos e reforçamos a cada dia. Pudor. Procure no
dicionário e encontre uma definição como essa "s.m. Discrição, recato que impede que se diga ou se faça algo que ofenda a decência, a honestidade, a modéstia; pejo, vergonha".
Quem foi que definiu as regras? Quem foi que definiu o que é ou não
decente? Quem é que pode julgar isso? Vergonha? De que? De ser quem se
é, mesmo não sendo a mesma coisa para sempre? De ser quem somos hoje? O
mundo está cheio de gente disposta a tirar a roupa e assumir a nudez,
seja para uma revista masculina ou para um único alguém. Entre quatro
paredes todo mundo mostra o corpo nu, ignorando os pudores, assumindo as
imperfeições, as texturas e relevos indesejados, os excessos, as
faltas... A verdade é que por maior que seja o medo ou a vergonha de
assumir a nudez do corpo, nada se compara ao medo de assumir a nudez da
alma. As pessoas só assumem os defeitos que lhes caem bem, as fraquezas
elas não assumem nem para si mesmas. Você não tem que sair por aí
espalhando suas fraquezas, mas quando você entra na vida de algumas
pessoas, você precisa deixá-las ver sua alma. Você precisa deixá-las
perceber, aos poucos, as suas fraquezas, as suas virtudes, as suas
cicatrizes. Porque ninguém é inteiro, ninguém está intacto, ninguém está
ileso. Viver deixa marcas. E enquanto a gente vive a gente vai criando
muros em torno de nós, muros que eu chamo de orgulho. Ao longo da vida a
gente vai congelando sentimentos, crenças, esperanças e até mesmo a
alma. A gente vai construindo uma muralha para se proteger do mundo e se
proteger de nós, mas nós nunca estaremos protegidos de nada. Muito
menos de nós. Aí vem alguém disposto a quebrar esses muros e esses
gelos, disposto a descobrir o que há por trás de tudo isso, e você aí
morrendo de medo, reforçando os muros e desejando no fundo que essa
pessoa consiga, que ela não desista no meio do caminho. O mundo tá cheio
de gente mordiscando orelhas, beijando nucas e marcando corpos, mas da
alma todo mundo passa longe. No máximo, arranha. Tá faltando gente que
beije a alma, que mergulhe, que marque menos o corpo e mais a alma. Tá
faltando gente que assuma os defeitos, as cicatrizes, os desejos, os
sonhos e a história que carrega. Tá faltando gente que assuma o que é,
como está e o que quer. O que os outros vão pensar é problema deles. Só
lhe cabe estar feliz, e ninguém consegue estar completamente feliz
deixando de ser o que é. O importante não é ser feliz? Então pronto.
Fazer strip tease na frente do espelho, do namorado, do marido ou de uma
boate lotada é fácil, quero ver coragem para despir a alma, peça por
peça, do começo ao fim."
~ Marie Raya ~
Nenhum comentário:
Postar um comentário